A ABDI não é trampolim político e o DF não é laboratório
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Indícios apontados pelo TCU sobre a atuação de Cappelli acendem alerta sobre riscos de uso político da máquina pública
O relatório da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) escancara um problema que vai além da burocracia estatal: a velha tentação de transformar o poder público em ferramenta de promoção pessoal. No centro desse episódio está Ricardo Cappelli, presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), investigado por indícios de desvio de finalidade no uso de recursos públicos, especialmente na área de comunicação institucional.
De acordo com a apuração do TCU, a investigação se concentra em um contrato de publicidade ampliado para R$ 8,1 milhões, que teria sido utilizado para impulsionar conteúdos sem vínculo direto com a missão institucional da ABDI, mas alinhados à exposição pessoal e política de seu presidente. O relatório menciona centenas de impulsionamentos pagos em redes sociais, com gastos que podem ultrapassar R$ 200 mil, além da possível atuação de servidores e terceirizados da agência na gestão desses conteúdos.
A gravidade do caso está no método. Quando uma agência pública passa a financiar estratégias de visibilidade pessoal, ainda que de forma indireta, ocorre um rompimento claro com os princípios da administração pública. Não se trata de comunicação institucional, mas de uso da máquina pública para construção de imagem, algo que a legislação e o bom senso administrativo não admitem.
Cappelli nega irregularidades e afirma ser alvo de perseguição política. A defesa é um direito legítimo. O problema é que os indícios não surgiram de disputas eleitorais ou redes sociais, mas de uma análise técnica de um órgão de controle, que apontou possíveis violações aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade. Isso não pode ser tratado como narrativa, mas como fato administrativo sob investigação.
O alerta se torna ainda mais preocupante diante das ambições políticas atribuídas a Cappelli. Um gestor que, segundo o TCU, pode ter confundido o papel institucional de uma agência federal com interesses próprios não transmite segurança para administrar um governo inteiro. Se há dificuldade em respeitar limites em uma estrutura específica, o risco de abusos se amplia exponencialmente em um cargo de maior poder.
O Distrito Federal já conhece os efeitos da má gestão, do aparelhamento e da personalização do Estado. São experiências que custaram caro ao contribuinte e deixaram cicatrizes profundas na confiança da população. Por isso, não é aceitável relativizar indícios tão sérios, nem tratar o caso como mera formalidade administrativa.
A decisão do TCU de não suspender cautelarmente o contrato não encerra o assunto. O processo segue em análise, e os fatos ainda serão julgados. Até lá, permanece uma questão fundamental: quem governa deve servir ao interesse público, não usá-lo como vitrine pessoal.
O DF não pode ser colocado em risco por projetos de poder que ignoram limites éticos. A ABDI não é palanque. E o governo do Distrito Federal não pode ser tratado como laboratório para quem já demonstra sinais de confusão entre função pública e ambição política.

